Como se Tornar um Escritor de Fantasia: Estrutura Narrativa
Uma estrutura é a disposição e organização das diferentes peças de algo complexo. Na construção de algo que tem que ter em conta diferentes variantes é normal existir uma estrutura por trás, que suporta todo o peso e mostra para onde segue o projeto.
Num edifício, faz-se a fundação. Numa nova empresa, faz-se um projeto de viabilidade. Numa equipa desportiva, constrói-se o núcleo duro com bons jogadores.
Na escrita, mas em especial na Fantasia, ajuda (e MUITO!) ter um plano para o que escrever e para onde a narrativa segue.
Como poderá ver neste artigo, um texto deste volume precisa de vários pontos-chave para atingir a coerência e tirar o máximo partido de todo o enredo.
A sua narrativa é um ser vivo, que evoluí e se transforma constantemente, pulsando com energia. Como uma narrativa não pode ser tudo altos nem tudo baixos, encontrará em qualquer livro de ficção que leia, batimentos de enredo, ou plot beats.
Estes plot beats são os pontos obrigatórios, entre os quais a sua história tem que flutuar, de modo a atingir uma fluidez narrativa. Como seres humanos, gostamos dos nossos padrões e estes estão comprovados como sendo eficazes.
Os beats têm nomes dentro de cada estrutura mas, mesmo que tenham uma denominação diferente, servem, geralmente, uma função semelhante.
Na escrita de Fantasia, existem várias formas de estruturar as suas estórias, tanto quanto existem autores. Cada um tem a sua forma de trabalhar e adapta estes métodos de planeamento, conforme lhes dá mais jeito. No entanto, todos são baseados ou variações dos seguintes sistemas:
- Estrutura dos 3 Actos
- Save The Cat
- Jornada do Herói
Pessoalmente, apenas usei os 2 primeiros para estruturar a narrativa que atravessa os meus 6 livros planeados, pelo que apenas falarei deles. Sinta-se à vontade para pesquisar a Jornada do Herói, caso não ache que os outros dois se adaptam à sua narrativa, ou que consegue perceber melhor o ciclo de uma estória através dela.
Estrutura dos 3 Actos
Muitos autores baseiam a sua escrita somente nesta estrutura; e por uma boa razão. Desde os tempos do Épico de Gilgamesh que usamos esta estrutura nas nossas narrativas. Mesmo as outras estruturas acabam por ter as suas origens nesta estrutura intemporal.
Incidente Incitador: Evento que catapulta a Personagem Principal (PP) para fora da sua zona de conforto e para o enredo, quebrando o status quo.
Negociação: Período em que a PP tenta negociar, e até negar, os termos da aventura que se avizinha, interna e externamente. Bom local para introduzir uma Arma de Chekov.
Climax 1º Acto: Momento em que, por vontade própria ou alheia, se lança à aventura, normalmente com o amigo e/ou o mentor.
Treino / Evolução: Beat em que a PP treina ou desenvolve um tipo de poder que pensa poder ajudar num futuro próximo.
Reviravolta: Seguindo o momento anterior, a PP tenta desenvencilhar-se de uma situação apresentada pelo Antagonista, saindo o tiro pela culatra e sofrendo uma derrota pesada. Aqui, um Vilão bem escrito normalmente atinge a PP onde mais ninguém o consegue fazer.
Crise: A PP bate no fundo, após a derrota estrondosa, no beat anterior. Aqui pode acontecer de tudo, desde virar-se aos amigos até tornar-se o novo vilão da série. Este é o local para debater temas psicológicos e mostrar a personalidade da PP.
Planear e Executar: Após deliberar e até lutar contra a sua Crise, a PP toma uma atitude e desenvolve um plano para atingir o seu novo objectivo.
Climax Final: Onde os arcos das diferentes personagens são resolvidos e onde as batalhas internas e externas são lutadas e vencidas/perdidas.
Com a Estrutura dos 3 Actos vai certamente conseguir tirar os principais pontos de tensão da sua narrativa para o papel/ecrã. Na minha experiência, esta estrutura deve ser usada como base para depois desenvolver as restantes, funcionando como uma base sólida para uma estrutura mais diversificada. Além disso, pode usá-la para todas as outras personagens, como o Antagonista ou o Mentor, de modo a dar maior profundidade ao arco dessas personagens.
Save The Cat!
Esta estrutura de planear o enredo foi criada por Blake Snyder.
Primariamente, foi pensada para os guiões de Hollywood, mas mais tarde foi adaptada também aos Livros. Pegando nos mesmos pontos da Estrutura dos 3 Actos, ainda acrescentou os seus pontos originais, expandido o processo.
Não consigo fazer um pequeno diagrama como na Estrutura anterior mas faço melhor. Deixo um screenshot do meu próprio ficheiro (que deixarei na página dos Recursos para download).
Opening Image: A nossa narrativa abre com uma imagem que nos dá a primeira impressão sobre o que esperar. E todos sabemos que a primeira impressão é importante. Nesta imagem temos uma pequena amostra do tema.
Set Up: Neste beat são introduzidos vários aspetos da narrativa, como "Wants and Needs", o ambiente à volta das nossas personagens e os riscos que enfrentam.
Theme: No meio do anterior, deve ser introduzido o tema maior que deseja debater, mesmo que em plano de fundo. (Falarei mais detalhadamente sobre o Tema num próximo artigo)
Catalyst: Exatamente como o Incidente Incitador, este evento catapulta a PP para o enredo, quebrando o status quo.
Debate: Aqui a PP debate consigo ou com outros sobre as diferentes hipóteses que à sua frente. Toma (quase) sempre a decisão de partir pois de outra forma a estória acabaria aqui.
Break Into 2: Aqui é quando o debate acaba e a PP se lança para o seu desafio.
B story: A narrativa secundária e onde outro tema mais pequeno mas contrastante será introduzido.
Fun and Games: Aqui tudo pode acontecer. Este beat é bastante usado para mostrar as capacidades da PP em diferentes situações.
Midpoint: Ponto Sem Volta onde cai uma contagem decrescente.
Bad Guys Close In: Os maus aproximam-se, tanto interna com externamente. Aqui aconselho a fazer duas cenas para cada, intercaladas. (2 Int 2 Ext)
All is Lost: Quando o Antagonista consegue superar o Protagonista, levando a entrar numa crise.
Dark Night of the Soul: Aqui a PP bate no fundo mas dá a volta, lutando até contra os seus próprios pensamentos.
Break into 3: Passamos para o Acto 3 e onde se fechará a nossa narrativa.
Finale: Divide-se em 5 sub-tópicos.
- Gathering the team: Junta a equipa para poder executar um plano que arranjou no final da Dark Night of the Soul.
- Storming the castle: Executa o plano traçado.
- The High Tower Surprise: Uma reviravolta aqui acaba com o plano original da PP...
- Dig Deep Down: ... o que faz com pensem rápido e desenvolvam um novo plano rapidamente.
- Execution of New Plan: Novo plano executado com sucesso.
Denouement: Novo status quo onde a...
Final Image: ... mostra algo contrastante com a Opening Image, evidenciando o que mudou durante a nossa narrativa.
Este sistema, se corretamente usado, pode ser uma ferramenta poderosa para arquitectar as suas estórias. Veja este exemplo do StudioBinder, de como empregar esta estrutura, caso tenha dúvidas.
Espero que tenha conseguido perceber as vantagens de usar estes dois sistemas de planear o seu enredo. As suas narrativas tornar-se-ão muito mais detalhadas e poderá usar os pontos altos e baixos para seu proveito. Os seus leitores agradecerão.